“Todos os animais saem à noite – prostitutas, depravados, pederastas, drag queens, michês, drogados, viciados, doentes, mercenários. Um dia uma chuva de verdade virá e lavará toda essa escória para fora da rua.”
Travis Bickle (Robert de Niro) não é apenas um personagem, mas um representante de todo um período e lugar. Mais especificamente, a cidade de Nova York na década de 70. Os Estados Unidos haviam presenciado nos últimos anos acontecimentos horríveis, grande parte deles relacionados à Guerra do Vietnã. Em 1972, o americano Arthur Bremer tentou assassinar o candidato à presidência George Wallace, fato que inspirou fortemente a criação do personagem, assim como o assassinato de Kennedy apenas uma década antes.
Em toda sua estranha trajetória, Travis não passa de um lunático solitário, em alguns momentos assustadoramente alienado e violento, em outros simplesmente digno de pena. Veterano da guerra do Vietnã, seu desconhecimento absoluto das normas que regem o mundo que o cerca representa uma geração de militares norte-americanos que ficaram para trás em sua própria sociedade. Também uma crítica velada aos horrores e ao poder alienante da guerra.
Sua frustração com a “sujeira” que preenche as ruas da cidade o leva primeiro a tentar encontrar algo ou alguém que escape desse estereótipo construído dentro de si. Assim, tenta se entender e começar um relacionamento com a coordenadora de campanha Betsy (Cybill Shepherd). A moça, que se sente inicialmente atraída pela estranheza e as ideias radicais de Travis, logo se afasta, como todos os outros, ao perceber que a esquisitice não é apenas um charme, mas uma completa incapacidade de adaptação.
É então que o personagem finalmente canaliza seus problemas para uma forma física. Tornando-se cada vez mais violento, começa a preparar seu corpo e compra armas, armando tudo para um ataque infundado contra uma coisa que nem ele mesmo consegue definir.
Primeiro vira sua ira contra um ladrão qualquer que ataca uma loja de conveniência bem debaixo de suas vistas. Finalmente, decide tirar a vida do candidato à presidência, o Senador Charles Palantine (Leonard Harris), em cuja campanha Betsy ainda trabalha. Difícil dizer com certeza se esse é um ataque consciente à instituição política, supostamente responsável por todo o lixo das ruas, ou se é apenas uma maneira encontrada para extravasar sua violência em um homem público. Talvez Travis só queira ser famoso e abandonar um pouco de sua solidão.
No entanto, impedido de alcançar seu objetivo final, seu ódio vai todo contra a rede de prostituição, responsável por levar a jovem Iris (Jodie Foster) para as ruas. Além de simpatizar com a adolescente e tentar fazê-la abandonar essa vida, o ataque é uma realização pessoal e uma forma ingênua de forçar a “chuva” a limpar parte da sujeira das calçadas.
Considerando toda a história do indivíduo perturbado que é Travis Bickle, o final de Taxi Driver certamente configura uma das maiores provocações da carreira do diretor Martin Scorsese. Louvado pela mídia como um herói, as motivações do protagonista acabam por personificar o desejo da população por violência para dar fim a muito do que está errado no mundo, assim como a classes sociais muitas vezes conhecidas como escória da humanida. O fato de Iris ter retornado aos pais, que escrevem uma carta emocionada ao taxista, leva à ambígua conclusão de toda a narrativa.
Afinal, Travis estava certo ou errado? Está na essência de nossa sociedade apoiar esse tipo de comportamento? Será que todo mundo leva um pouco de Travis dentro de si? Se é que definições simplistas como essas se aplicam ao filme, um dos melhores estudos de personagem já feitos para o cinema.
Taxi Driver está sendo exibido esta semana em horários e salas limitadas nos cinemas da rede Cinemark.