O Passado | Crítica

o_passadoO passado geralmente não é misericordioso. Lembranças boas ou ruins podem trazer da mesma maneira descontentamento quanto ao presente e desesperança pelo futuro. De forma a poder viver com alguma independência, o ideal é se distanciar ao máximo do passado ou pelo menos de suas partes mais significativas, permitindo que ele retorne com força à mente só em determinados momentos, quando já é inevitável. Afinal, o esquecimento é uma força tão ou mais forte que a própria memória.

O diretor iraniano Asghar Farhadi já mostrou anteriormente ser um mestre na construção de relacionamentos na tela. O premiado filme A Separação é uma verdadeira teia de conexões interpessoais complexas e que, de alguma forma, ele conseguiu desenvolver de maneira a representar muitos dos problemas atuais vividos por diferentes camadas da sociedade do Irã. Um trabalho de gênio arrasador que com muita justiça varreu para si grande parte das premiações no ano de 2011.

Em comparação, O Passado é uma obra muito mais introspectiva em seu tema principal, embora ambos tenham como pano de fundo relações familiares e sociais. Na história, Ahmad (Ali Mosaffa) retorna a Paris após uma ausência de quatro anos para assinar os papéis de divórcio de sua esposa Marie (Bérénice Bejo). Ela pretende se casar de novo com Samir (Tahar Rahim), de quem está esperando um filho.

o_passado2Os vestígios do passado estão para todo lado. Lucie (Pauline Burlet) e Léa (Jeanne Jestin), filhas de outro casamento de Marie, vivem com ela e ainda têm um relacionamento especial com Ahmad, que por algum tempo as criou como pai. Na casa da família também mora Fouad (Elyes Aguis), filho de Samir. A mãe do garoto e ainda esposa de Samir está há meses em coma devido a uma tentativa de suicídio.

Conforme os dias passam, as particularidades das relações entre os personagens começam a se mostrar e o espectador tem a chance de conhecer novas facetas de cada um deles. Lucie não gosta de Samir porque não aguenta mais ver os maridos da mãe deixando-a. Marie parece ainda sentir algo por Ahmad e o impede constantemente de deixar sua casa. Samir guarda um sentimento de culpa em relação à esposa, que sofria de depressão, e busca preencher o vazio deixado por ela com a presença de Marie.

O mais belo e tocante de O Passado é a forma como Farhadi consegue retratar conflitos fortíssimos através de pequenas coisas. A cena mais emocionante do filme envolve o pequeno Fouad, uma criança insegura e traumatizada, que quer fugir quando está com Marie e pede para voltar quando Samir o leva embora de lá.

o_passado3No metrô, após se recusar a sair do vagão, o garoto pergunta ao pai se a mãe vai morrer quando desligarem seus aparelhos. Samir diz que sim, mas não podem fazer isso pois não sabem se ela preferiria viver dessa forma ou morrer. “Ela prefere morrer. Ela tentou se matar”, responde o garoto, em uma performance tocante do ator mirim.

E embora O Passado não chegue a alcançar os níveis de urgência e perfeição de A Separação, embora ambos tenham o divórcio como mote principal, é ainda assim um filme sempre interessante e preocupado em desenvolver ao máximo seus personagens. O roteiro deixa ao público a possibilidade de se identificar com qualquer um dos pontos de vista mostrados, ou até com todos, já que os mesmos pertencem a pessoas tridimensionais e complexas, desenvolvidas com grande naturalidade.

Aliás, essa é a marca registrada do cineasta, que aqui ainda foi capaz de demonstrar com destreza a influência duradoura que os atos passados podem exercer ao longo de toda uma vida e em escolhas futuras, recaindo inclusive sobre outros que aparentemente pouco tinham a ver com a história.

Cotação-4-5O Passado - poster nacionalO Passado (Le Passé)

Direção: Asghar Farhadi

Roteiro: Asghar Farhadi

Elenco: Bérénice Bejo, Tahar Rahim,Ali Mosaffa, Pauline Burlet, Elyes Aguis, Jeanne Jestin, Sabrina Ouazani, Babak Karimi, Valeria Cavalli, Aleksandra Klebanska, Jean-Michel Simonet, Pierre Guerder, Anne-Marion de Cayeux, Eléonora Marino, Jonathan Devred, Sylvaine Fraval, Yvonne Gradelet, Michèle Raingeval.

Gênero: Drama/Suspense

Duração: 130 minutos

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