Diretores | Os 100 anos de Carlitos de Charles Chaplin

No dia 28 de janeiro deste ano, Carlitos fez 100 anos de sua estreia no cinema. Era com o curta de 11 minutos chamado Corrida de Automóveis para Meninos, no qual o personagem, distraído, atrapalha a filmagem de uma corrida ao ficar entrando na frente das câmeras. Charles Chaplin, criador do personagem e um dos maiores gênios do cinema, é o meu diretor favorito de todos os tempos, e neste artigo vou falar um pouco sobre sua carreira.

Diferente de muitos (da minha idade, pelo menos) o primeiro filme que eu assisti dele não foi no colégio. Sim, foi Tempos Modernos, mas não foi na aula de Geografia. E uma das primeiras cenas que me marcaram foi exatamente uma das primeiras cenas do filme: ovelhas em rebanho seguindo em uma direção, e logo em seguida, operários fazendo o mesmo em direção à fábrica. Depois, claro, as que se tornariam as mais famosas do mundo: as de Carlitos trabalhando mecanicamente na fábrica, ‘enlouquecendo’ e sendo ‘engolido’ pela máquina.

Carlitos era um personagem. Uma caricatura. O Vagabundo, o pobre, o trabalhador, o romântico, o sonhador, o homem simples, o sobrevivente. Uma caricatura não só do próprio Chaplin, que teve uma miserável infância, mas também de todos aqueles que eram explorados seja pelo patrão da fábrica ou pelo sistema. O objetivo de Chaplin era claro: seus filmes não eram apenas uma diversão, eram também uma crítica à época e à opressão, mas que continuam atemporais e servem como base de estudos até hoje. Era dele a frase “que eu seja um comediante, mas um comediante que pensa”.

De uma facilidade imensa em criar situações engraçadas, Chaplin também conseguia com a mesma facilidade emocionar. Posso relembrar aqui a bela cena de O Garoto, onde o menino é tirado dos braços de Carlitos. Também em Luzes da Cidade quando a cega, recuperada, consegue enfim reconhecer Carlitos e ele diz: “consegue me enxergar agora?” – essa me marcou pela beleza e sutileza do contexto. A cega que ele ajudou o tempo todo achava que ele era rico. “Consegue me enxergar agora?” não é somente no sentido literal da frase. Agora ela sabia que ele era pobre, que ele era O Vagabundo, o ignorado pela sociedade, mas que tinha nobreza e compaixão pelo próximo que em muitos faltava.

De todos os seus filmes, considero O Grande Ditador o mais brilhante de todos. Às vezes penso que ele poderia perder o posto para Monsieur Verdoux com seu ótimo humor negro e seu final com referência à vida do próprio Chaplin, que perseguido pelo macarthismo, foi expulso dos EUA e viveu na Suíça até falecer, tendo voltado ao país somente uma vez, para receber o Oscar Honorário em 1972. Chaplin era considerado comunista por causa de seus filmes, mas eles eram humanistas, como o apelo do Vagabundo em seu discurso final vestido como ditador em uma clara sátira de Hitler em O Grande Ditador.

E como ignorar Em Busca do Ouro? Como ignorar a cena de Carlitos cozinhando seu sapato para ter o que comer? Como deixar de mencionar a cena do balé dos pães, que poderia não significar nada, mas é uma das mais agradáveis de assistir pelo simples fato de sua beleza e graça serem simples. Como também não se emocionar em mais uma referência à própria vida de Chaplin, que com os anos foi sendo ‘esquecido’ – além das acusações de ser comunista, um dos motivos foi o som no Cinema – e retrata isso em uma melancólica história em Luzes da Ribalta.

Difícil, muito difícil escolher apenas um. Tão difícil que em um texto ainda deixei de citar O Circo, A Condessa de Hong Kong e Casamento ou Luxo. Portanto, fico com todos, com o melhor de cada um. Com o ditador dançando com o globo, com o menino quebrando os vidros para Carlitos poder consertá-los. Com Carlitos na guerra se atrapalhando com uma granada, com a casa quase caindo na ribanceira e ele tentando equilibrá-la com o peso de seu corpo, com o vagabundo sendo confundido com o líder de uma manifestação por querer entregar a bandeira vermelha que caiu no chão ao seu dono. Com ele preso na jaula junto a um leão e também fazendo graça durante a execução do hino nacional. E também lutando boxe. Com o melhor do diretor, ator, roteirista, gênio que dizia que “tudo que eu preciso para fazer uma comédia é um parque, um policial e uma garota bonita”.

Com um dos mais belos discursos que já li/ouvi…

 Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio… negros… brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.  A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem… um apelo à fraternidade universal… à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora… milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia… da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Charles Chaplin em O Grande Ditador, 1940.

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